Nenhum dos vereadores mais votados nos bairros de Curitiba sob maior risco de eventos climáticos extremos
apresentou propostas ligadas às mudanças climáticas na campanha eleitoral de 2024. A lista inclui nove siglas
partidárias, tanto da base governista quanto da oposição.
A Avaliação de Riscos Climáticos da Cidade de Curitiba, realizada em 2020 pela prefeitura e pelo Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), mostra mapeamentos de quatro tipos de risco: deslizamentos,
inundações, alagamentos e ondas de calor.
O relatório dá destaque a 35 bairros em alguma das quatro categorias – 20 deles correm mais de um tipo de risco.
A maioria está sujeita a alagamentos – acúmulo temporário de água devido à incapacidade do sistema de drenagem –
e a ondas de calor – dias consecutivos com temperaturas diárias muito mais altas do que a média.
O bairro Caximba, no extremo sul de Curitiba, fica em uma zona de risco e enfrenta o impacto direto da
habitação não planejada. A ocupação 29 de Novembro existe desde 2010, na região de um antigo aterro sanitário.
São mais de 1,6 pessoas vivendo à margem do rio Barigui e seus afluentes.
A casa de Rose*, 49, já foi inundada duas vezes. “Na primeira vez, ficou só no quintal. Na segunda, entrou
dentro da minha casa”, conta. A proximidade com as cavas – buracos artificiais de 15 a 20 que, com o tempo,
encheram d’água – e a depressão no relevo facilitam a elevação do nível d’água a cada chuva.
“Ergui tudo o que eu podia erguer”, conta sobre as mobílias que conseguiu salvar. O pastor Jorge Nunes,
presidente da Associação de Moradores e Amigos do Caximba, diz que, anos atrás, a água chegava a subir 1,5 m
da
base das casas. “Dia de chuva é um barro total – barro, lama, alaga tudo”, conta.
A nota técnica nº 1/2023, da Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento da Casa Civil, identifica os
municípios brasileiros mais suscetíveis a desastres naturais relacionados às chuvas. O Paraná tem 63 mil
pessoas
em áreas de risco geo-hidrológicos mapeadas – 80 cidades paranaenses estão na lista das mais suscetíveis à
ocorrência de deslizamentos, enxurradas e inundações. Nelas, vivem 6,2 milhões de pessoas.
Em 2020, o governo municipal publicou o Plano de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas, o PlanClima. O
documento lista uma série de objetivos climáticos que a capital quer alcançar até 2030 e 2050. Segundo o
plano,
o objetivo é tornar Curitiba "uma cidade neutra em emissões, resiliente frente aos riscos climáticos,
inclusiva
e vibrante, com engajamento e responsabilidade compartilhada entre toda a sociedade".
As metas de adaptação incluem a implementação de ações como a revisão do plano de macrodrenagem, a ampliação
do
mapeamento de áreas prioritárias para permeabilização do solo urbano, e o aprimoramento do sistema de alerta e
monitoramento de eventos extremos. De acordo com o prefeito Eduardo Pimentel (PSD), no Caximba também serão
construídos um dique para contenção de cheias e um parque linear.
Segundo o relatório do governo municipal, algumas das regiões sob maior risco de alagamento são os bairros
Alto
da Rua XV, Centro (com alto grau de risco), Bom Retiro, Mercês, Cabral, Ahú, São Francisco, Centro Cívico,
Batel, Jardim Botânico, Alto da Glória, Rebouças, Prado Velho e Juvevê.
Áreas mais periféricas também estão sob ameaça, como Cajuru, Capão da Imbuia, Uberaba, Boqueirão, Hauer,
Xaxim,
Alto Boqueirão, Tarumã, Atuba e Santa Cândida. Na Cidade Industrial de Curitiba, em especial, os riscos de
alagamentos têm evolução projetada para 2030 a 2100.
A pesquisadora Libia Peralta, coordenadora da Equipe de Letramento Climático do NAPI (Novo Arranjo de
Pesquisa
e Inovação) – Emergência Climática, trabalha com o mapeamento dos riscos de enchente, alagamento e inundação
na
Vila Torres, região periférica do bairro Prado Velho.
A região está listada entre os principais bairros sob risco de alagamento na área central de Curitiba. Além
disso, possui um importante grau de ameaça de ondas de calor, em especial pela distância em relação a áreas
vegetadas.
“A gente começou a perceber que esse terreno é muito quebrado. Então, se uma pessoa que está, por exemplo, com
um idoso, um cadeirante e entra na rota errada, ele não vai conseguir se salvar, não vai conseguir fugir ou
vai
ter um problema”.
O NAPI (Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação) – Mudanças Climáticas é uma rede de mais de 80 pesquisadores de
oito universidades do Paraná. Na Vila Torres, além da coleta de dados, o grupo trabalha na formação de
brigadas
comunitárias climáticas, formadas pelos chamados “guardiões do clima”.
O mapeamento dos riscos é participativo, em parceria com os moradores. “A gente pergunta para as pessoas onde
está acontecendo uma enchente, que é diferente de um alargamento, que é diferente de uma inundação. Onde elas
sentem muito calor, que se chama ilha de calor, que é diferente de um evento de calor. Onde têm vetores,
insetos, ratos, onde tem lixo", explica Peralta.
Para a pesquisadora, quem habita a comunidade sabe mapear com maior precisão como os eventos climáticos
atingem
a região. “Ela [comunidade] sabe mais do seu território, em uma escala menor, e mais exata, do que o próprio
gestor [governo]”, aponta.
Da década de 1960 para cá, a temperatura média de Curitiba aumentou 0,2 ºC por ano, segundo o Instituto
Nacional de Meteorologia (Inmet). Hoje, a cidade está 1,2 ºC mais quente. Ao mesmo tempo, a capital tem
registrado cada vez mais dias com termômetros acima dos 30 ºC e temperaturas mínimas mais altas a cada ano.
O relatório da prefeitura relaciona esses dados ao aumento da concentração de CO2 global, que passou de 320
partes por milhão (ppm) em 1960 para mais de 400 ppm a partir de 2015 – um aumento de 25% do gás carbônico na
atmosfera, segundo dados da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA).
informativo: Partes por milhão (ppm) é a unidade usada para medir a concentração de dióxido de
carbono
na
atmosfera – 400 ppm quer dizer que, em cada 1 milhão de moléculas de ar, 400 são de CO₂. Pequenas variações
nessa medida têm grande impacto no clima porque o CO₂ é um gás de efeito estufa que retém calor na
atmosfera.
Entre 2000 e 2018, 48 mil brasileiros morreram por ondas de calor. “Um dos grandes riscos relacionado às ondas
de calor é o de aumento de doenças respiratórias e cardiovasculares, principalmente em idosos”, aponta a
avaliação.
A região central de Curitiba, que corre um dos maiores riscos de formar ilhas e ondas de calor, também possui
alto número de unidades de saúde – ao contrário de regiões como Cajuru, Cidade Industrial e Uberaba, também
altamente suscetíveis a esses efeitos.
O mapeamento mostra que áreas mais urbanizadas e com menos áreas verdes, como Rebouças, Prado Velho e Cidade
Industrial de Curitiba, estão mais sujeitas a ondas de calor. O relatório também aponta que áreas de floresta
e
vegetação, como bosques e parques, ajudam a repelir ondas e ilhas de calor.
Há dois exemplos do efeito de áreas verdes em áreas sob alto risco dessas formações: no bairro Boqueirão, com
a
área verde da 15ª Circunscrição de Serviço Militar; e outra grande área verde no bairro Xaxim, perto do
Esporte
Clube Olímpico.
Já no Centro, “a presença do Parque Passeio Público parece ser insuficiente para repelir a formação de ilhas
de
calor, uma vez que a região é altamente urbanizada”, ressalva a avaliação.
“Apesar da cidade possuir uma das maiores taxas de área verde do país, os desafios da mudança climática irão
evidenciar a necessidade de incremento dessas áreas ao longo das regiões mais urbanizadas da cidade e comprova
o
efeito de proteção às áreas verdes existentes”, aponta o documento.
A reportagem entrou em contato com os vereadores mais votados nos bairros sob maior risco climático de Curitiba, solicitando com prazo de uma semana informações sobre iniciativas que tratem de mudanças climáticas, adaptação, mitigação, meio ambiente, sustentabilidade urbana, gestão de risco ou temas correlatos.
Reportagem e site por Giovani Sella e Rodrigo Matana